Jovens brasileiros da periferia lideram turnê pela paz com músicos de países em guerra e se apresentam ao papa Leão 14
Músicos da Orquestra Criança Cidadã se unem a colegas de Rússia, Ucrânia, Irã, Palestina, Israel, Coreias do Sul e do Norte em périplo de concertos pacifistas no exterior
Fronteiras, idiomas, nacionalidades, diferenças e rivalidades desaparecem sob a natureza pacifista de um périplo humanista internacional abraçado por uma delegação de músicos liderados por uma orquestra brasileira. Os artistas de países machucados por conflitos bélicos e tensões históricas se unem a colegas integrantes da Orquestra Criança Cidadã – projeto recifense beneficente de acesso à cidadania através da arte – em uma excursão de concertos pela paz realizados na Ásia e no Vaticano para sensibilizar o mundo em torno da urgência de acabar com confrontos, destruição e mortes. A delegação comporta jovens de Brasil, Rússia, Ucrânia, Irã, Palestina, Israel, Coreias do Sul e Norte e fecha a turnê com apresentação para o papa Leão 14, em Roma, no dia 8 de outubro.
A incursão pacifista internacional de 2025 reprisa os propósitos de uma missão humanitária vivenciada por músicos da OCC com parceiros italianos, russos e ucranianos em 2023, também na cidade do Vaticano, em apresentação para o papa Francisco, morto em abril passado. A ampliação da comitiva, neste ano, expande o apelo pela paz e inclui participantes de países tomados por embates sangrentos, com milhares de mortes, ou às voltas com hostilidades diplomáticas intensas. A turnê tem apresentações no Youngsan Art Hall, em Seul (Coreia do Sul), no Parque Memorial da Paz, em Hiroshima (Japão), primeira cidade devastada por uma bomba nuclear na história, na Expo 2025, em Osaka (também no Japão), e diante do novo papa, no Vaticano.
“Ver jovens de países historicamente em conflito dividindo o mesmo palco, tocando lado a lado, é algo que emociona profundamente. Acreditamos, com todas as forças, que a música ainda é uma das poucas linguagens capazes de reunir corações que se encontram distantes. A escolha desses músicos – formando uma orquestra internacional, cuja base é de músicos da Orquestra Criança Cidadã – não foi apenas artística, foi um gesto de esperança. São vozes que, juntas, desafiam o barulho da guerra com o som da convivência fraternal e da harmonia. Demonstra que todos somos irmãos, sendo um símbolo vivo de que a paz não é uma utopia – ela pode ser ensaiada, tocada, sentida e vivida”, afirma o fundador da OCC e idealizador dos concertos, José Targino.
A orquestra brasileira garimpou 11 selecionados entre centenas de alunos do projeto através de audiências às cegas – método baseado em notas aplicadas às apresentações de músicos separados da banca de examinadores por uma cortina, ou seja, sem identificação, favorecimento ou preferência. A faixa etária da comitiva nacional, sob regência do maestro José Renato Accioly, fica entre 16 e 22 anos, todos com mais de uma década de experiência no projeto. São eles: Pedro Henrique da Silva (violino), Maria Eduarda da Silva (viola), Cleybson Oliveira (cello), Ana Clara de Souza (viola), Lucas Gabriel Pereira (percussão), Lídia da Silva (percussão), Callyandra Batista (cello), André Ribeiro (violino), Geyphane Pereira (violino), Jéssica do Monte (violino) e João Victor de Araújo (percussão). Aos escolhidos, se juntam o professor de violoncelo Davi Cristian de Andrade e o contrabaixista Antonino Tertuliano, ex-aluno e nome com mais expressão internacional do projeto – ele mora, hoje, em Munique, na Alemanha.
O músico proeminente desempenhou papel crucial para cerzir a teia de artistas recrutados junto aos outros países envolvidos nos concertos. A composição final tem uma dupla de cada localidade: os iranianos Amirmahziar Ghazemi (violino) Alavijeh e Naeim Hatami (viola), os israelenses Ori Shauel Wissner Levy (violino) e Simon Lemberski (viola), os ucranianos Petro Kuzma (violoncelo) e Oleksandr Puzankov (violino), os russos Nikita Shkuratov (violino) e Zlata Synkova (violino), as sul-coreanas Lee Youbg Kim (violino) e Youngseo Oh (contrabaixo) e as norte-coreanas Rina Choi (violino) e Soo Young Kim (haegeum).
O repertório das apresentações mescla clássicos brasileiros com composições originadas dos países dos músicos da delegação – um medley batizado de Rapsódia das Nações terá seis peças e congrega Aquarela do Brasil, Arirang (música folclórica coreana, tida como hino da ‘Coreia unificada’), Kalinka (canção russa composta por Petrovich Larionov), Hava Nagila (judaica), Melodia em Lá Menor (do ucraniano Myroslav Skoryk) e Yalla Tenam Reema (da libanesa Fairuz, em representação da cultura árabe).
O concerto, com duração estimada de 70 minutos, tem duas partes – a primeira, batizada de Comunidade de Pessoas, ainda contém Bachianas Brasileiras nº 4, de Villa-Lobos, e Concerto para dois violinos e D menor, com combinação de peças de Johann Sebastian Bach. A segunda fase, nomeada Música Latino-americana, foca em orquestra, cordas e percussão, passa por Fuga y Misterio, de Astor Piazzolla, e se encerra com medley de Samba de Verão, Tico-tico e Aquarela.
A Orquestra Criança Cidadã acumula apresentações bem-sucedidas no exterior, com exibições em países das Américas, da Europa e da Ásia. Já passou por Alemanha, Portugal, Itália, China, Israel, Estados Unidos, Argentina, entre outras localidades. O projeto formou mais de 700 alunos – todos selecionados de áreas da Região Metropolitana do Recife marcadas por baixos índices de desenvolvimento humano e social e, via de regra, sem assistência devida do poder público – com aulas de instrumentos, educação complementar, oferta de ações de cidadania, provimento de alimentação e cuidados médico-odontológicos.

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